As palavras de Bertoldt Brecht ecoam como aviso emergencial aos segmentos da sociedade política contemporânea: “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Em outras palavras, o poeta alemão afirma que o fantasma do fascismo não se apaga com ghostbusters aventureiros e fantasiosos, como no famoso filme de 2004 dirigido por Ivan Reitman, visto que o risco da sua permanência se torna gradativamente mais difícil de ser combatida. Os adeptos da ideologia aclamada e defendida por Benito Mussolini ressurgem como num “passe de mágica”, que não possui relação com o poder divino de ressuscitar dos mortos, mas com adequação às realidades, perspectivas e contextos políticos, sociais e econômicos. O “passe de mágica”, na verdade, é um movimento de camuflagem típico dos grupos totalitários e autoritários que desejam a tomada de poder, que em sua maioria se utiliza dos meios democráticos para ascender ao poder de modo legítimo. Todavia, desmoralizar e descredibilizar esses mesmos meios democráticos é o instrumentum laboris para que haja brecha que permita o autoritarismo criar raízes e frutificar. Ou seja, nada de novo abaixo do sol se olharmos com atenção nossos dias atuais.
O mês de novembro, em especial, é marcado por diversas comemorações relacionadas ao passado nazifascista do último século, como no exemplo da “Noite dos Cristais” (Kristallnacht), massacre anti-semita que resultou em destruição e vandalismo em sinagogas em todo o Reich em 1939; assim como em Roma, no ano de 1921, da moção de Michele Bianchi, um dos braços direitos do Duce, proclamando a constituição do Partido Nacional Fascista. O ato de recordar as atrocidades do passado tem por objetivo não repetirmos no presente os mesmos erros e comprometer o futuro de todos, porém o que vemos no cenário mundial contemporâneo é a nova roupagem que tais ideologias apresentam diante do público.
Diante do que foi exposto aqui, creio eu que o bom senso nos guiaria para um rumo contrário ao que foi vivido na primeira metade do século passado, excluindo definitivamente apologias descaradas ao totalitarismo em qualquer esfera social e política, além de pensar em mecanismos que blindassem as próximas gerações dos riscos autoritarismo. Bom, os mecanismos se mostraram falhos (se realmente foram pensados um dia), e mesmo com o levante da democracia liberal na maioria do mundo moderno vimos o (re)despertar do sono fascista.
O que antes era manifestado nos porões das casas ou até mesmo de modo prudente pelos seus adeptos, paralelamente avançou com a solidificação das democracias ao redor do mundo, contraditoriamente, e poucos realmente se atentaram para o perigo que se aproximava e que, um dia, poderia estourar. E estourou, só não vê quem não quer.
Antes o epitáfio, agora o lema político. Políticos adéquam seus discursos e não têm medo de parecerem como os antigos ditadores condenados pela história, sublimando com papel manteiga as falas dos ditadores do século passado. A diferença está no detalhe, na articulação, na divulgação, no recorte e no marketing das mensagens.
A internet não só ajudou como impulsionou os “leões de um dia só” a proliferarem, como um vírus, as doutrinas fascistas travestidas de liberdade de expressão mediante a atuação nas redes, rompimento do discurso com base em fatos e na desinformação como modus operandi. Com isso, tudo se torna contraditório: o discurso é emotivo e violento, a democracia é necessária e abjeta, a política deve ser superada.
Se antes era explícita a forma violenta na perseguição dos seus opositores, hoje também é, mas com uma nova roupagem: não preciso pegar em armas, mesmo que eu seja o maior dos defensores, mas que esteja pronto para compulsivamente reduzir ao nada o meu oposto na internet. Não precisa marchar sobre Roma, como em 1922 fez Mussolini e seus nacionalistas, mas tomar um simples celular em mãos e navegar pelas redes vomitando o ódio interior pelo diferente. Não é difícil.
Por conta disso a cadela do fascismo continua no cio e pronta para cruzar com qualquer idiota, que passando o tempo se torna seu dono. Ela, por si, já tem inúmeros “donos” que se arriscam e fazem suas vontades, além de deixá-la visualmente ludibriável aos olhos dos outros, transformando seu latido feroz em sussurros de pequeno filhote. Mas a cadela fascista não precisa sujar seus pêlos na lama bélica, como no século passado, estando sem medo dentro de seu quarto refrescado pelo ar-condicionado, mexendo, de preferência, nas redes sociais, pois sabe que outros se sujarão na lama da intolerância e da violência pelo ideal (e por ela). É uma cadela tecnológica, convenhamos.
Ela sai cheirosa, de banho tomado, tosada e se possível escovada, para que seu latido não seja afrontoso, mas verossímil, tornando sua aparência agradável e pouco repugnante. Através da verossimilhança do discurso e da aparente doçura de suas ações, diversos serão os candidatos a possuí-la.
Todavia, notamos que ela não é um ser doméstico, tendo em sua natureza a selvageria como seu principal motor. Ou seja: quem um dia criou, deu amor e a defendeu, certamente sofrerá no futuro pelo seu descontrole e poder de destruição.
È bom reforçar que a ração do fascismo é muito cara …
Membro da Academia Fluminense de Letras. Bacharel em Filosofia (PUC-Rio), Doutorando e Mestre em Política Social (UFF).